Em 2008, o governo do Zimbábue lançou uma cédula de 100 trilhões de dólares locais. O valor, que não cobria sequer uma passagem de ônibus, virou símbolo da falência econômica do país. Hoje, essas notas circulam como peças de colecionador, vendidas por até 120 euros.
O episódio, um dos mais severos casos de hiperinflação da história, expôs os riscos da perda de controle sobre a política monetária. Definida por economistas como uma inflação acima de 50% ao mês, a hiperinflação no Zimbábue alcançou patamares inéditos: 79,6 bilhões por cento ao mês e 89,7 sextilhões por cento ao ano, em novembro de 2008.
Raízes da Crise: De Reforma Agrária a Impressão de Dinheiro
A crise começou a ser gestada ainda na década de 1990. Após anos de crescimento no pós-independência, o país passou a enfrentar problemas estruturais. As políticas de ajuste econômico, inspiradas pelo Banco Mundial, resultaram em recessão e desemprego.
A partir de 2000, o governo do presidente Robert Mugabe iniciou uma reforma agrária violenta, com a expulsão de cerca de 4 mil fazendeiros brancos. A queda abrupta na produção agrícola, principalmente de tabaco, provocou escassez de alimentos e perda de divisas.
Para cobrir os gastos públicos, o governo recorreu à impressão excessiva de dinheiro. A combinação de choque de oferta e expansão monetária empurrou o país para a hiperinflação.
O Cotidiano em Colapso
O impacto foi imediato. As economias da população evaporaram. Salários eram pagos mais de uma vez ao dia, já que o dinheiro perdia valor em questão de horas. O comércio formal desapareceu, dando lugar ao mercado negro e ao escambo.
Produtos básicos tornaram-se raros. O desemprego atingiu 80%, com picos de 94% em janeiro de 2009. Milhares de empresas fecharam as portas. Estima-se que entre 3 e 4 milhões de pessoas deixaram o país, numa das maiores ondas migratórias da África austral.
Soluções Frágeis: Redenominações e Dolarização
O governo tentou controlar a crise com três grandes cortes de zeros nas notas, entre 2006 e 2009. Nenhuma das medidas conteve a inflação.
Em 2009, o país abandonou oficialmente o dólar zimbabuano e adotou o dólar americano e outras moedas estrangeiras como meio de pagamento. A desmonetização formal ocorreu em 2015, com um processo de conversão simbólico. Quem tinha até 175 quatrilhões de dólares zimbabuanos no banco recebeu apenas US$ 5.
Nova Tentativa: O Zimbabwe Gold (ZiG)
Em abril de 2024, o Banco Central lançou o Zimbabwe Gold (ZiG), uma moeda supostamente lastreada em reservas de ouro e dólar. Apesar de uma queda inicial no valor, o Fundo Monetário Internacional elogiou os esforços para controlar a emissão de dinheiro e reforçar a política fiscal. O governo prevê a adoção de uma moeda única até 2030.
Lições de Outras Crises
A hiperinflação no Zimbábue repete um padrão visto em outros países. Na Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial, a emissão desenfreada de marcos para cobrir reparações de guerra levou ao colapso da moeda em 1923.
Na Hungria, em 1946, os efeitos da Segunda Guerra Mundial e as reparações exigidas pela União Soviética geraram a maior inflação já registrada. Já na Iugoslávia, nos anos 1990, a combinação de guerra civil, sanções internacionais e déficit público também levou ao descontrole dos preços.