Na semana passada publicamos uma matéria sobre a descoberta dos três depósitos de moedas romanas encontrados em Senon, no nordeste da França. O achado chamou atenção pelo estado de conservação, pelo contexto intacto e pela quantidade de peças. Agora, com a divulgação de informações técnicas sobre o sítio, é possível ampliar o quadro e entender com mais precisão por que moradores guardaram tanto dinheiro em vasos cerâmicos enterrados dentro de casa.
(Image credit: © Lino Mocci, Inrap)
Os arqueólogos confirmaram que os depósitos pertencem ao fim do século III e ao início do IV. Os recipientes estavam apoiados sobre pedras niveladas e instalados em fossas abertas nos pisos das casas. O método revela uma poupança planejada e alimentada ao longo do tempo. Em dois vasos, moedas presas às paredes mostram reforços posteriores do montante. As residências tinham pisos de argamassa e aquecimento sob o chão, sinal de moradores com recursos e de um bairro com padrão urbano elevado.
O relatório técnico do Inrap amplia a história do vicus. Senon era um centro da população mediomátrica, ligado a Divodurum, atual Metz. A ocupação contínua desde a Idade do Ferro explica a densidade de estruturas encontradas no bairro. No período romano, a localidade recebeu obras de grande porte. O aqueduto talhado na rocha, com mais de dois metros de altura, abastecia termas monumentais que atendiam a comunidade. Cerca de dez pedreiras de calcário reforçam a ideia de uma economia estável, capaz de sustentar obras públicas e casas de padrão elevado.
O documento recorda um tesouro descoberto em 1924, também com milhares de moedas. O depósito antigo, ligado à crise do século III, foi encontrado dentro de um hypocausto, o sistema de aquecimento das casas. Esse antecedente mostra que a ocultação de numerário não era um ato isolado. Moradores abastados já recorriam a essa estratégia em momentos de tensão económica. A repetição do padrão, em dois séculos distintos, confirma que Senon sofreu impactos diretos das mudanças monetárias do Império.
As reformas de Diocleciano, feitas no final do século III, tentaram controlar a inflação e reorganizar a cunhagem. O efeito, porém, foi limitado. As moedas perderam valor real e a circulação de imitações aumentou. A população passou a guardar numerário como forma de proteção. Os especialistas esperam que os novos depósitos revelem predominância de peças emitidas em Tréveris, principal oficina monetária do Ocidente no período. A análise deve indicar também o grau de uso de moedas falsas, que circulavam ao lado das oficiais.
A segurança da área dependia de uma fortificação romana situada a cerca de 150 metros das casas. Mesmo assim, um grande incêndio no início do século IV provocou abandono imediato das residências. Décadas depois, outro fogo levou à saída definitiva dos moradores. O bairro, antes dinâmico, converteu-se em campo e pomar ao longo dos séculos. Só as obras modernas permitiram a redescoberta desse conjunto raro.
Os arqueólogos iniciam agora a limpeza, a fotografia e a indexação das moedas. O objetivo é determinar a oficina de origem das peças, distinguir cunhagem oficial de imitações e estabelecer o terminus post quem — a data mais recente entre as moedas, que define o momento do depósito. As análises metalográficas devem indicar teor de prata e métodos de produção. A investigação promete esclarecer como o dinheiro circulava, como era guardado e por que foi abandonado durante uma crise que marcou o fim da Antiguidade na Gália.
O que há de novo sobre a botija de Senon
1. Senon era mais importante do que se pensava
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O relatório identifica o sítio como vicus dos Mediomatrici, ligado a Divodurum (Metz).
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A ocupação contínua desde a Idade do Ferro mostra tradição urbana mais longa.
2. A infraestrutura era complexa
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Existência de um aqueduto talhado na rocha, com mais de 2 metros de altura.
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Termas monumentais foram abastecidas por essa estrutura.
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Cerca de dez pedreiras trabalhavam o calcário local, base do desenvolvimento económico.
3. Há um precedente esquecido: o tesouro de 1924
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Descoberto dentro de um hypocausto, também com milhares de moedas.
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Reforça padrão de tesaurização em momentos de crise.
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Demonstra que a elite local já guardava grandes somas dentro de casa.
4. O novo achado se encaixa nas crises monetárias do Império
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As reformas de Diocleciano provocaram perda de valor das moedas.
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Imitações eram comuns e circulavam como peças oficiais.
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A população passou a tratar a moeda como reserva de valor física.
5. As moedas devem vir de Tréveris
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Treveri era a principal oficina monetária do Ocidente tardio.
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A predominância esperada mostra ligação direta entre Senon e centros imperiais.
6. A queda do bairro pode estar ligada a uma mudança regional
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Amel, localidade vizinha, assumiu funções administrativas e militares.
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Essa mudança enfraqueceu a segurança de Senon.
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O abandono dos depósitos pode refletir a perda desse papel.
7. A investigação vai além da contagem das moedas
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A análise metalográfica deve identificar teor de prata e origem das peças.
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A distinção entre moedas oficiais e imitações explicará hábitos locais de circulação.
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O estudo completo deve ajudar a reconstituir a economia da região.
Por que a descoberta importa
O conjunto encontrado em Senon é raro pela preservação, pela quantidade e pelo contexto intacto. A associação entre conforto doméstico, vida urbana e crises económicas cria um retrato nítido do fim da Antiguidade na Gália. O estudo das moedas abre espaço para entender como uma comunidade administrava o próprio dinheiro, como se adaptava às reformas do Império e o que levou à interrupção brusca da vida local.