Na Inglaterra, o Natal reserva uma tradição curiosa, antiga e pouco conhecida fora da Europa. No centro da mesa, mais precisamente dentro da sobremesa, aparece uma moeda. Não como enfeite nem brincadeira, mas como símbolo de sorte, prosperidade e continuidade. Trata-se do costume de esconder um sixpence de prata no Christmas pudding, ritual que atravessou séculos e ainda hoje desperta atenção de colecionadores.
O Christmas pudding é uma sobremesa pesada, feita com frutas secas, gordura, açúcar e especiarias. A receita começa semanas antes do Natal, no chamado Stir-Up Sunday, o último domingo antes do Advento. Nesse dia, a família se reúne para preparar a massa. Cada pessoa mexe a mistura uma vez, sempre no sentido de leste para oeste, em referência ao caminho dos Três Reis Magos até o nascimento de Jesus. Durante o gesto, faz-se um pedido silencioso. Só então a moeda é colocada na massa.
O uso do sixpence se consolidou no século 19, durante o reinado da rainha Vitória. A influência do príncipe Albert, de origem alemã, ajudou a reforçar costumes domésticos ligados ao Natal e à família. A pequena moeda de prata, já comum no cotidiano britânico, passou a representar boa fortuna para quem a encontrasse no prato no dia 25 de dezembro. A crença dizia que o sortudo teria dinheiro e estabilidade ao longo do ano seguinte.
Antes da popularização do sixpence, outras moedas chegaram a ser usadas, como farthings e threepence, quase sempre em prata. O material não era escolha casual. A prata resiste melhor ao longo cozimento do pudim e não reage com os ingredientes ácidos da receita. Ainda assim, o costume exigia cuidado. Comer o pudim significava mastigar devagar, atento à possibilidade de encontrar a moeda a qualquer momento.
Com o passar do tempo, a tradição ganhou variações. Algumas famílias passaram a incluir outros pequenos objetos de prata, cada um com um significado específico. Um dedal simbolizava economia, uma âncora representava segurança, um pequeno osso em forma de “Y” indicava sorte. A moeda, no entanto, permaneceu como o símbolo principal, associada diretamente à prosperidade material.
O fim das moedas de prata em circulação, no século 20, colocou o costume em risco. As novas ligas metálicas reagiam com os ingredientes do pudim e podiam oferecer riscos à saúde. Para preservar a tradição, muitas famílias recorreram a sixpences antigos, guardados especialmente para esse uso, ou passaram a embrulhar a moeda antes de colocá-la na massa. Nos últimos anos, a Royal Mint voltou a cunhar sixpences comemorativos, justamente para manter vivo o ritual.
Para a numismática, o costume inglês do pudim de Natal revela um aspecto pouco lembrado das moedas: seu papel simbólico. Ali, o dinheiro deixa de ser meio de troca e passa a funcionar como amuleto, promessa e herança cultural. A pequena peça de prata não compra nada, mas carrega a expectativa de um ano melhor.
Em um país que transformou moedas em tradição doméstica, o Natal mostra que a história do dinheiro não se limita a cofres, álbuns ou vitrines. Às vezes, ela aparece escondida no prato, no fim da ceia, aguardando quem tenha sorte — e atenção — para encontrá-la.