A moeda que cruzou séculos e oceanos para contar a origem da Inglaterra — e voltou para casa
Essa é a história da moeda de Alfredo, o Grande (Alfred the Great), um dos reis mais importantes da história britânica, e do artefato que carrega, em poucas gramas de prata, o embrião da ideia de “Inglaterra”.
Um rei medieval... mas atual
Você nunca ouviu falar em Alfredo, o Grande? Não se preocupe. Embora seja uma figura central na história do Reino Unido, ele ainda é pouco conhecido fora de lá. Alfredo reinou entre os anos 871 e 899 e governava um dos reinos anglo-saxões chamado Wessex, em um período em que a Inglaterra nem existia como país.
Foi sob o comando dele que o território começou a se organizar contra os ataques vikings, que devastavam vilarejos e cidades. Mas Alfredo não foi apenas um líder militar. Ele criou leis, fortaleceu cidades, incentivou a educação e foi um dos primeiros monarcas europeus a defender o uso da língua local (o inglês antigo) no lugar do latim.
Ou seja, foi um dos fundadores, na prática, da ideia de uma Inglaterra unificada, com justiça, cultura, idioma próprio e um sistema político organizado.
A moeda que mostra tudo isso
Entre 895 e 899, Alfredo mandou cunhar moedas com a inscrição “AELFRED REX SAXONUM” (Alfredo, Rei dos Saxões) e, no verso, “EXA”, a forma mais antiga conhecida do nome Exeter. Essa sigla representa a primeira vez que a cidade aparece registrada em um objeto físico.
A escolha de Exeter para abrigar uma casa da moeda foi estratégica: era uma cidade abandonada desde o fim do Império Romano. Ao recuperar suas muralhas e traçar um novo plano urbano, Alfredo transformou o local em um polo de defesa e administração — um passo essencial na reconstrução do reino.
Essa moeda representa exatamente isso: o esforço para reerguer um país, afirmar a autoridade real e criar uma identidade nacional.
Do fundo da terra ao museu
A peça foi encontrada em 1840 no meio de um gigantesco tesouro viking enterrado perto da cidade de Preston, no norte da Inglaterra. O achado, chamado Tesouro de Cuerdale, continha mais de 8 mil objetos, incluindo moedas de várias regiões da Europa e do Oriente Médio.
Após a descoberta, a moeda foi parar em coleções privadas, passando pelas mãos de estudiosos britânicos e, desde 1989, pertencia a um colecionador nos Estados Unidos. Em maio de 2025, ela foi leiloada na Suíça. O Royal Albert Memorial Museum (RAMM), de Exeter, com apoio de doações e fundos locais, conseguiu arrematar o item e trazê-lo de volta à cidade onde tudo começou.
Fotos: (Jam Press/Simon Tutty)
Por que isso importa para nós?
Pode parecer uma curiosidade distante. Mas a história dessa moeda fala de temas universais: preservação do patrimônio, construção da identidade, combate à destruição cultural e valorização da história local.
Alfredo, o Grande, não pertence só à Inglaterra — sua trajetória mostra como líderes podem usar conhecimento, cultura e urbanismo para reconstruir sociedades em tempos de crise. É uma lição que atravessa fronteiras.
Além disso, o debate sobre onde peças históricas devem estar — em grandes museus ou em seus locais de origem — é cada vez mais atual. O retorno dessa moeda para Exeter mostra que dar acesso às comunidades ao seu próprio passado é mais importante do que acumular tesouros em capitais ou centros turísticos.
Uma pequena peça com grandes significados
Tom Cadbury, curador do RAMM, disse que o museu acompanha essa moeda desde 1868. “É incrível que ela esteja finalmente voltando para casa.” Para o vereador Bob Foale, responsável pela cultura em Exeter, a moeda “nos conecta diretamente com nossas origens”.
Agora, a peça será exibida ao público em uma cidade que, graças a ela, foi colocada no mapa — literalmente. Pequena como uma moeda de cinco centavos, ela carrega um pedaço do nascimento de um país inteiro.
Para o público brasileiro, a história de Alfredo, da moeda e de Exeter é um lembrete: preservar a memória é também construir o futuro.