A moeda de R$1, presente no bolso de milhões de brasileiros, guarda mais do que valor de face. Os traços finos que percorrem sua borda dourada não são apenas decoração: são grafismos marajoaras, inspirados em uma das mais antigas tradições cerâmicas do Brasil.
Criada em 2002, a moeda bimetálica traz em seu anel externo — hoje de aço com revestimento de bronze — um conjunto de linhas que remetem à arte indígena produzida na Ilha de Marajó, no Pará. A escolha não foi aleatória. Trata-se de uma homenagem deliberada às raízes étnicas do País, uma tentativa de conectar o símbolo monetário à identidade cultural nacional.
Uma tradição que resiste há milênios
A cerâmica marajoara é uma expressão artística produzida por povos que habitaram a região do Marajó entre os séculos V e XIII. Conhecida por sua complexidade técnica e valor simbólico, essa arte revela a sofisticação das civilizações indígenas pré-coloniais.
Modeladas à mão, com pigmentos naturais e queima a céu aberto, as peças exibiam espirais, figuras geométricas e representações da fauna amazônica. Muitas tinham função ritual, como urnas funerárias decoradas com figuras femininas, cobras, aves e outros elementos ligados ao imaginário espiritual.
Descoberta por arqueólogos no século XIX e amplamente estudada a partir dos anos 1940, a cerâmica marajoara foi reconhecida como patrimônio cultural e transformada em emblema da identidade brasileira já nos primeiros projetos de construção nacional.
Design com propósito: cultura e segurança
Na moeda de R$1, os grafismos aparecem dos dois lados: no anverso, envolvem a Efígie da República; no reverso, repetem-se em torno do valor facial. Segundo a Casa da Moeda, a intenção é dupla: valorizar a herança indígena e dificultar falsificações.
Mesmo quando o Banco Central alterou os materiais da moeda, substituindo o bronze e o cuproníquel por ligas mais baratas, os traços marajoaras permaneceram. O motivo é claro: o desenho se tornou parte da identidade visual da moeda — e, por consequência, da própria ideia de Brasil.
Um padrão que vem de longe
A inclusão de grafismos marajoaras nas moedas não começou com o Real. Na era Vargas, entre 1938 e 1942, a série comemorativa da nova Constituição já trazia elementos da arte indígena no reverso das moedas de 100, 200, 300 e 400 réis.
Décadas depois, a famosa cédula de 5 cruzeiros — conhecida como “nota do índio” — trouxe de volta a estética marajoara, junto com lendas amazônicas e símbolos da floresta. O uso desses elementos mostra que a numismática brasileira sempre buscou refletir a diversidade e a profundidade de sua história.
Mais do que troco
Hoje, cada moeda de R$1 carrega um pouco dessa trajetória. Ao circular, ela reafirma um gesto de reconhecimento às populações indígenas que moldaram o Brasil antes da chegada dos colonizadores. Mais do que um item de troca, ela funciona como documento: carrega a memória de povos ancestrais, reafirma símbolos nacionais e revela escolhas políticas feitas ao longo dos anos.
Para colecionadores, isso acrescenta valor além do metal. A moeda vira testemunho de um país que tenta — mesmo que tardiamente — inscrever sua pluralidade cultural no espaço mais comum possível: o dinheiro.