Do Marajó ao Real: como o grafismo indígena virou símbolo da identidade nacional

Do Marajó ao Real: como o grafismo indígena virou símbolo da identidade nacional

A moeda de R$1, usada todos os dias por milhões de brasileiros, guarda uma história quase imperceptível. O traço que contorna o anel dourado é inspirado na cerâmica marajoara, uma das expressões mais antigas e sofisticadas da arte indígena da Amazônia. Gravado em escala microscópica, o desenho é símbolo de um passado pré-cabralino que o país carrega no bolso sem perceber.

Criada em 2002, a moeda bimetálica tem núcleo prateado e borda dourada. No centro, a Efígie da República representa o ideal político moderno; ao redor, o grafismo indígena remete às raízes étnicas do Brasil. A combinação une dois mundos: o da nação republicana e o da herança ancestral. A Casa da Moeda explica que o padrão foi escolhido tanto por sua beleza quanto por sua função de segurança — as linhas complexas dificultam falsificações.

A cerâmica marajoara surgiu entre os séculos V e XIII na Ilha de Marajó, no Pará. Modeladas à mão, as peças exibiam espirais, figuras geométricas e representações da fauna amazônica. Serviam a rituais e enterramentos, e revelavam a sofisticação de uma sociedade organizada e de profunda sensibilidade estética. O acervo mantido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi reúne milhares de exemplares e é referência internacional em arqueologia amazônica.

Na moeda, esse legado aparece reduzido a um friso metálico de menos de dois milímetros. A homenagem, embora simbólica, passa despercebida. O padrão, visível apenas sob certa luz, tornou-se um gesto de reconhecimento silencioso. Especialistas consideram o grafismo um “signo latente” da identidade nacional — um símbolo que fala de um Brasil antigo, mas que poucos conseguem enxergar.

O uso de grafismos indígenas em moedas não é novo. Durante o Estado Novo, na década de 1940, Getúlio Vargas já havia incorporado motivos marajoaras às moedas de réis. Décadas depois, o Banco Central retomou a ideia no padrão do Real, associando a nova moeda — símbolo de estabilidade — às raízes culturais do país. A repetição não é coincidência: o Estado recorre ao mesmo ícone para legitimar projetos de identidade nacional ao longo do tempo.

Hoje, cada moeda de R$1 é uma pequena cápsula de história. Representa a convergência entre arte, arqueologia e política. Mas o tributo à ancestralidade ainda enfrenta o desafio da invisibilidade. Poucos brasileiros sabem que o grafismo vem da cerâmica marajoara, reconhecida como patrimônio arqueológico e candidata a patrimônio imaterial do Brasil desde 2010.

Pesquisadores defendem que o símbolo ganhe vida fora do metal. A recomendação é ampliar ações educativas e museológicas que expliquem o significado da arte marajoara e valorizem os artesãos que mantêm essa tradição viva em Icoaraci, distrito de Belém. O resgate desse saber garantiria que a homenagem não se restrinja à moeda, mas se estenda à memória coletiva.

Assim, o grafismo marajoara — quase invisível a olho nu — cumpre papel maior do que o de mero ornamento. Ele liga o Real à realidade de um país que se construiu sobre civilizações antigas e que ainda aprende a reconhecer, em seus próprios símbolos, as marcas profundas da Amazônia e de seus povos.

Deixe uma resposta

Cancelar resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.

Notícias relacionadas

Siga-nos

Principais categorias

Comentário recente

  • user por Celio Luiz da Silva cardoso

    Tenho moedas entre em contato 31990756559

    quoto
  • user por Fineas

    Quanto vale a mowda dw 1 real com um beija flor estanpado na facê coroa???

    quoto
  • user por Rodrigo Morales Garcia

    Tudo começou com uma pesquisa sobre uma moeda que ganhei com a data do meu nascimento (1967), foi quando comecei a receber vários vídeos e imagens sobre a fantástico mundo da numismática e comecei a me apaixonar por isso. mas no momento não posso continuar minha coleção, inclusive estou com a posse temporária de vários itens que ainda não comprei, mas dado ao fato de que estão comigo, gostaria de deixar a disposição para quem realmente tem interesse. Tenho várias moedas com defeito, fora de circulação (normais, com defeitos e Flor de cunho), antigas (da década de 1800 a 1930)estrangeiras, notas e títulos de divida fundada. meu nome é Rodrigo, fone/whats (11)98303-9776. se possivel ter acesso ao livro de valores ou te enviar imagens para avaliação fico grato.

    quoto

Aceite cookies para melhor desempenho