Na Fontana di Trevi, em Roma, milhares de turistas repetem todos os dias um ritual secular: lançar uma moeda com a mão direita sobre o ombro esquerdo para garantir o retorno à Cidade Eterna. Estima-se que cerca de €3.000 sejam jogados na fonte diariamente, somando cerca de €1,4 milhão por ano. A prática, popularizada mundialmente pelo filme "Three Coins in the Fountain" (1954), tornou-se símbolo da ligação entre turistas e a capital italiana.
A origem do costume é incerta. Algumas versões apontam para antigos rituais pagãos da Roma Antiga, quando viajantes lançavam moedas em águas sagradas para pedir proteção dos deuses. Outra teoria atribui o início da tradição ao arqueólogo alemão Wolfgang Helbig, no século XIX, que teria lançado duas moedas ao partir de Roma como gesto de boa sorte. Seja qual for a raiz, o gesto ganhou força no imaginário popular após a Segunda Guerra Mundial, impulsionado pelo crescimento do turismo de massa e por cenas famosas do cinema italiano, como em "La Dolce Vita" (1960).
Todo o dinheiro arrecadado atualmente é destinado a fins sociais. Desde 2001, um acordo municipal garante que a Caritas de Roma recolha as moedas para financiar projetos como bancos de alimentos, cozinhas comunitárias e auxílio a famílias em situação de vulnerabilidade. Em 2022, a coleta somou €1,4 milhão, representando uma parte importante do orçamento anual da instituição. As operações de recolhimento são realizadas várias vezes por semana pela empresa de água ACEA e são rigidamente documentadas para garantir transparência.
Em 2019, houve uma tentativa da prefeitura de Roma de redirecionar parte dos recursos para a manutenção do patrimônio histórico da cidade, mas a forte reação popular manteve a destinação original ao setor social. O processo de extração das moedas é monitorado de perto por guardas municipais e câmeras de segurança. Desde 2010, é proibido entrar na fonte, sob pena de multa de aproximadamente €450, reforçada em 2012 por uma legislação que proíbe qualquer retirada de dinheiro sem autorização.
Apesar da fiscalização intensa, incidentes ocorrem. Em 2024, dois turistas, um indiano e um suíço, foram multados em €550 cada por tentarem apanhar moedas durante a noite. Há também episódios curiosos: além de moedas de diversas nacionalidades, a fonte já foi palco da recuperação de celulares, óculos, joias e até dentaduras.
O caso mais famoso envolveu o romano Roberto "D'Artagnan" Cercelletta, que por anos recolheu moedas da fonte até ser proibido pela Justiça. Em 2003, um tribunal decidiu que as moedas lançadas eram bens abandonados e, por isso, a prática não configurava furto, mas o controle municipal foi endurecido.
Mesmo com essas histórias, o que prevalece é a força simbólica da Fontana di Trevi. As moedas lançadas não só alimentam sonhos individuais como se transformam em auxílio concreto para quem mais precisa, mantendo viva uma das tradições mais emocionantes e solidárias da Itália.